Pelos caminhos da memória (Igreja de N. Sra. dos Prazeres na Barra do Ipanema)

 

Igreja de Nossa Senhora dos Prazeres, Barra do Panema, Belo Monte


No alto da colina da ilha dos Prazeres, a pequena igreja branca parece vigiar o rio como um farol espiritual. Suas portas e janelas verdes se abrem para o vento, e o São Francisco, lá embaixo, segue seu curso majestoso, carregando histórias, promessas e segredos. Entre os municípios de Belo Monte, em Alagoas, e Porto da Folha, em Sergipe, sua construção remonta a tempos imemoriais no encontro dos rios Ipanema e São Francisco, na Barra do Ipanema.

A inscrição na fachada aponta o ano de 1694. Acredita-se que ainda no século XVII tenha sido construída por freis capuchinhos, após a saída dos holandeses da região. No local é possível encontrar lápides no piso de madeira que datam do período entre 1850 e 1895 e eram divididos por categorias: pecadores, anjos e virgens.

O sentimento religioso à Senhora dos Prazeres na Barra de Ipanema (e em Alagoas) tem origem em Portugal, no século XVI. O título "dos Prazeres" faz referência às sete alegrias da Virgem Maria, um culto difundido pelos franciscanos: Anunciação, Visita a Isabel, Nascimento de Jesus, Adoração dos Magos, Encontro no Templo, Ressurreição e Assunção/Coroação. A devoção se espalhou pelo Brasil, especialmente após as Batalhas dos Guararapes e chegou a Alagoas através de Pernambuco.

Igreja de N Sra dos Prazeres


Entre as histórias, você vai saber que a marca da coroa do imperador D. Pedro II e o símbolo dos jesuítas estão presentes na igreja. A construção teve duas etapas: a primeira, quando a imagem da Santa foi achada por um caçador debaixo de uma pedra e a segunda, após o milagre de uma menina que sumiu e foi encontrada na margem do rio. Dos testemunhos das graças alcançadas pelos fiéis, alguns ex-votos estão expostos na Igreja.

Após 55 anos voltei ao templo, agora acompanhado da minha família para compartilhar o momento especial que vivi na infância. Em 1970 fui levado por meus pais para pagamento de uma promessa da minha mãe, porém não me recordo dos votos. A Barra do Panema também é especial para os santanenses porque ali o Rio Ipanema deságua no Rio São Francisco trazendo um pouco da história dos sertanejos rumo à vastidão do mar que a todos acolhe.

O lugar também é palco de relatos misteriosos e fatos que intrigam a população local. Moradores afirmam que, além dos milagres, há registros de fenômenos inexplicáveis ocorridos nos arredores da capela de 331 anos, que abriga túmulos em seu interior e no entorno.

A pesquisadora nativa, Girlene Monteiro, afirma que existe um relatório feito por um engenheiro alemão chamado Henrique Guilherme Fernando Halfeld no documento denominado Atlas e Relatório do Rio São Francisco. Ele foi contratado por Dom Pedro II para descrever o Rio São Francisco, légua por légua, desde a primeira queda em Pirapora até a foz no oceano Atlântico. Halfeld relatou existir ouro no morro onde hoje está a Igreja.

Samuel dos Santos, que nos acompanhou na visita, é zelador da igreja há mais de 30 anos. É inevitável que a gente pergunte se ele já viu algum fato extraordinário. De pronto, ele respondeu:

“Sim, uma vez vi uma figura descendo à catacumba, enquanto eu acendia velas no altar. Senti um arrepio imenso e a impressão era de que alguém me seguia ao sair. Mas depois me acalmei e na verdade eu acho que era um espírito bom, possivelmente triste pelo fato de a festa não ter acontecido na igreja naquele dia, pois era a festa da nossa padroeira e não foi realizada aqui em cima do morro”, justifica. Disse-nos que sua experiência de zelador tem sido de paz e tranquilidade, com muitos milagres e graças de Nossa Senhora.

Samuel mostra a divisão dos túmulos em
pecadores, virgens e anjinhos
Foto: Adailson Calheiros
A estudiosa Girlene Monteiro menciona que há registros da visita do imperador Dom Pedro II a Alagoas em 1859, como parte de uma grande viagem pelas províncias do Norte (atual Nordeste) do Brasil. A visita está documentada em seu diário, incluindo passagem por Belo Monte e, de modo específico, pelo povoado Barra de Ipanema, onde se encontra a Igreja.

A légua que ele descreveu aqui na Barra diz que o leito do rio Ipanema era aurífero, ou seja, tinha ouro. E é de conhecimento público que há umas pedras diferentes, principalmente no trecho do rio que se chama Poço do Marco. Argumenta que realizou inúmeras diligências históricas para enriquecer o processo de tombamento da igreja com argumentos, fatos e documentos que segue tramitando no IPHAN do qual é a responsável.

Outro belo-montense de destaque nacional foi o instrumentista Saraiva, cujo nome era Luiz Saraiva dos Santos (1929–1982). O músico foi um proeminente saxofonista brasileiro, aclamado como "sax de ouro" ou "rei do saxofone". Ele era conhecido por sua maestria no saxofone soprano. Destacou-se como ícone da música instrumental brasileira, gravando álbuns que exploraram diversos gêneros, como choro, MPB e música popular, exemplificados em obras como Sax soprando pelo Brasil e Saraivadas de sucessos. Para saber mais, clique aqui

Outro fato digno de nota para os santanenses é que em 1812 o padre Francisco José de Albuquerque Correia(1757-1848), voltou a morar na Vila de Santa Ana da Ribeira do Panema - da qual é fundador -, mas não abdicou de suas funções de missionário apostólico pelos sertões. Seu biógrafo, padre Theotônio Ribeiro(1855-1929), em seu “Escorço Biográfico do Missionário Apostólico Dr. Francisco José Correia de Albuquerque", publicado originalmente em 1917, traz informações valiosas de que a igreja de Nossa Senhora dos Prazeres, defronte à Barra do Ipanema em 1824 estava precisando de reparos e os fiéis pediram ao padre Francisco para realizar uma santa missão, para arrecadar fundos para a obra.

Justamente naquele dia à tarde, ele estava debruçado no peitoril de uma das janelas do coro da igreja, quando vem vindo a todo remo, lá em baixo no rio, para a prédica daquela hora, Antônio Tibúrcio, pai de Pedro Tibúrcio, acompanhado por uma outra pessoa. Olhando para cima e dando com as vistas no Padre, disse Tibúrcio para o companheiro:

- Em que estará ali pensando o padre Francisco?

Apostaram afinal, e subiram ao alto da colina, indo logo beijar a mão do missionário que, ao vê-los, foi dizendo:

- Eu estava pensando que, se não puxasse tanto pelo remo, não chegariam a tempo.

Foz do Rio Ipanema. No primeiro plano, macambiras  em flor


Visitar a secular igreja é uma viagem no tempo, além de apreciar do alto do morro a inebriante paisagem do rio seguindo seu curso trazendo vida a tudo pelo caminho. Nos arredores, o rio Ipanema repousa nos braços do São Francisco, como filho que retorna à casa do pai. No jardim íngreme, macambiras em flor e xiquexiques desenham o sertão em cores fortes, lembrando que a vida insiste sob o sol ardente e em lugares improváveis.

E quando o visitante se despede, leva consigo mais do que lembranças. Leva a certeza de que há lugares que nos escolhem, que nos chamam de volta, que nos lembram que o sagrado pode estar no alto de um morro, diante de um rio, dentro de uma história que nunca termina.


Novembro, 2025


Capa do Atlas



Xiquexiques no morro dos Prazeres








Comentários

  1. Maravilhosa a sua visita e a pesquisa que nos leva a conhecer mais do local. A história sempre é um caminho fantástico e, você, com muita maestria e propriedade sabe fazer isso, João. Parabéns!!! Gostaria de ter ido com vocês a este passeio... Um grande abraço, amigo!
    Goretti Brandão

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  2. Meu amigo, João Neto! Viajei, também, com você nesse relato minucioso da história da Barra do Panema e da Igreja de Nossa Senhora dos Prazeres. É realmente um prazer de boa leitura ler suas crônicas calçadas em pesquisas, história e memória

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  3. Amigo Xará!
    Apesar de ter trabalhado em Belo Monte, de ter ido,a Barra do Ipanema, com frequência e, até, conhecer a igreja, não tinha noção da importância dela para a história.
    Parabéns pelo resgate.
    Um abraço
    João Neto Oliveira

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  4. Suas crônicas tem um poder de encantar a todos que as conhecem. Amei a menção do sagrado.

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