Craibeiras: raízes e memórias

Foto: Caminho do Sítio Baixio na passagem molhada do riacho Camoxinga
Fonte: Acervo do autor

 


Desde menino, carrego uma admiração profunda pelas craibeiras. Há em mim um fio verde, traço indelével da mãe terra, que me ensina a ouvir o silêncio da vegetação, respirar suas cores e sentir o pulsar da natureza.

Tocar uma árvore, respeitar a natureza e contemplar as flores desabrocharem é saber-se pleno por um instante. A terra segue junto, parceira das raízes na busca incessante da fertilidade escondida nos labirintos subterrâneos. Trilhar as veredas desse mistério silencioso é participar do enigma da criação. Na aridez cinzenta do verão causticante, a esperança se traduz na florada amarelo-ouro da árvore símbolo de Alagoas.

Bendita a chuva que faz a água descer a serra e correr o leito do riacho Camoxinga e do rio Ipanema trazendo fertilidade e sementes. E bem ali na curva no caminho nos presenteou com uma craibeira na porta do Colégio Estadual. E os céus, de agrado, no barranco do riacho fez brotar uma árvore imensa que, de prontidão, vigia o caminho e a lição dos meninos. E quando chega a primavera desperta as manhãs com tons de sol de início de dia, lançando pétalas e sementes aos ventos mesmo que ninguém perceba sua majestade, adornada de ouro.

Foto: Craibeira na porta de entrada do colégio estadual Fonte: Acervo do autor

No sertão, a craibeira não é apenas árvore: é resistência, é memória. Sua força, capaz de enfrentar a estiagem, faz dela um emblema da perseverança sertaneja. Suas flores amarelas rompem a dureza do tempo e tingem a paisagem de esperança.

A florada da craibeira no sertão é um espetáculo de pura poesia visual. No meio da paisagem árida e acinzentada, as copas das craibeiras explodem em um amarelo vibrante, como pequenos sóis espalhados pelo horizonte. Suas flores, delicadas e efêmeras, parecem desafiar a dureza do clima, trazendo cor e vida onde antes era solidão. O vento suave deita pétalas douradas pelo chão, formando um tapete luminoso sob os galhos retorcidos, como se o sertão, por um breve instante, quisesse se vestir de festa.

Foto: Rio Ipanema e suas craibeiras. Ao fundo se vê a antiga ponte dos canos que foi
arrastada numa cheia. Fonte: acervo do autor

Ah, amigo, certas paisagens marcam a alma da gente como uma pintura que nunca desbota. A florada da craibeira, contrasta com o azul do céu, parecendo mais que uma estação: é um capítulo vivo da memória. No caminho para o colégio, à margem do riacho Camoxinga, o esplendor da profusão das flores, o perfume suave, as pétalas caídas formando um tapete dourado e o sol filtrando-se entre os galhos… As águas do riacho que seguiram adiante, levaram consigo muitas flores que partiam rumo ao sul. São imagens que, ainda que o tempo avance, permanecem imutáveis e adormecidas nas dobras do meu pertencimento.

Como nada é perfeito, também tive uma desventura. Eu decidi: queria uma craibeira (Tabebuia aurea) plantada na rua, defronte a minha casa. Símbolo das Alagoas desde 1985, a árvore é facilmente encontrada da nascente à foz do Rio Ipanema. Coletei uma muda. Percebi que sua raiz era muito grande. Diz-se que o tamanho da raiz equivale ao tamanho da árvore no nível do solo. Plantei e esperei sem esperar. Ansiava a florescência. Passados dez anos suas flores ainda eram acanhadas, ainda que o exemplar tivesse quase sete metros de altura. Contudo, um detalhe chamava à atenção: seu tronco estava se inclinando para um lado e parte das raízes despontando na pavimentação de paralelepípedos.

Seu Zé Azevedo, meu vizinho, alertou-me:

- João, essa craibeira vai arriar! Tenha cuidado!

Eu respondi: - Vai nada seu Zé! O tamanho dela para cima e o mesmo para baixo.

Algum tempo depois, casualmente, chamei um jardineiro para limpar e cortar raízes expostas. O trabalho demorou mais que o previsto, havendo necessidade uma pausa para o almoço. Nesse ínterim, já agonizando, a árvore vergou silenciosamente sob o peso e se deitou lentamente no meio da rua Benício Mendes Barros, sem alardes e sem testemunhas, interditando o passeio de um canto a outro. Parecia crônica de uma morte anunciada. Eu fui o primeiro a chegar. Doeu ver a árvore no chão, nem eu sei descrever o tamanho da minha decepção. Não havia mais nada a fazer senão cortá-la e desobstruir o espaço público.

Por sorte, a queda da árvore não causou estragos. Sua raiz parecia uma rodilha. Depois da coleta da muda nas areias do Ipanema, antes de plantar, dei umas voltas na horizontal para facilitar o trabalho. A árvore cresceu, porém não se firmou no solo. Meu erro a condenou à morte. A lição eu já sabia de cor mas faltava aprender. Seu Zé Azevedo sabia, como quem ouve a terra, o destino daquela craibeira. Eu, teimoso, só compreendi quando a vi tombada na rua, estendida como um poema interrompido.


Foto: Rio Ipanema no perímetro urbano e suas craibeiras Fonte: acervo do autor

Maio, 2025

Comentários

  1. Hayton Rocha19/05/2025, 08:59

    “No sertão, a craibeira não é apenas árvore: é resistência, é memória. Sua força, capaz de enfrentar a estiagem, faz dela um emblema da perseverança sertaneja. Suas flores amarelas rompem a dureza do tempo e tingem a paisagem de esperança.”
    Isso é mais que prosa, João. É prosa e poesia. Da melhor semente que existe: a saudade.

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  2. Pois então caro amigo João, sonhos são assim, feitos desejos que acordamos de dentro da gente. Daí os buscamos, e buscaremos sempre! Pouco importa se forem levados pelas águas do rio, se tombem inertes no leito da rua. "Tocamos em frente", como na música do cancioneiro. ass: Fabio Campos.

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