Tadeu Rocha: Intelectual carismático




Nasceu em Santana do Ipanema, em 15.02.1916, filho de coronel Manoel Rodrigues da Rocha(1857-1920) e Dona Maria Izabel Gonçalves Rocha (Sinhá Rodrigues, 1876-1966), principal comerciante da cidade na transição do século XIX para o século XX, teve educação de elite pautada pelo catolicismo tradicional.

Como “criança privilegiada”, na conotação que lhe atribuiu Oscar Silva, porque estudante do elitista Instituto Tomás de Aquino e porque vivesse num “sobrado de dois andares”, mais “perto do céu”, Tadeu Rocha certamente tinha as antenas ligadas no cotidiano do seu povo e na singularidade da sua terra, desde os tempos em que “à tardinha, descia para o passeio e ficava, de uma ponta a outra da calçada, a fazer voltas em seu velocípede”.

Segundo Oscar Silva, Tadeu Rocha e José Maurício Medeiros (Zezinho) eram os dois meninos que mais lhe pareciam felizes em Santana do Ipanema. Sem o saberem, tornaram-se seus ídolos e constituíam aquilo que ele mais desejava ser. 

Certa feita, no aniversário de Breno Accioly, houve um baile de crianças no sobrado onde negociava a viúva Sinhá Rodrigues, mãe de Tadeu e avó de Breno. Diz Oscar que entrou desconfiado, calçado nas suas servilhas de couro de bode, pôs as mãos para trás e se encostou à parede. Vários dos colegas de escola dançavam com bonitas meninas, entre os quais alguns deles possuíam namoradas. Oscar olhava aquilo e lhe parecia um sonho ter o prazer de valsar com uma garota daquelas. Mas, além de não saber dançar, tinha um medo danado de ser cortado. E, arrastado por esse genuíno complexo de inferioridade, deteve-se a ouvir Zezinho tocar e acompanhar a música em seu realejo de campainhas.

Marques de Melo, diz que as lembranças de Tadeu privilegiam o espaço da vida cotidiana, particularmente o sobrado e a praça. "Entre as paredes do sobrado viveu num ambiente de misticismo religioso, transações comerciais e formalismo jurídico. Na praça fronteira completou sua experiência de menino, entrando em contato com a cidade; no outro lado da praça encontrando vizinhos tão inocentes como esquisitos e carregando no subconsciente uma parte da vida de Santana do Ipanema, que iria mais tarde ressurgir.

A memória do pai era cultivada com veneração, pela autoridade moral de que desfrutava na comunidade. O coronel Manoel Rodrigues da Rocha, descendente direto de um sertanista pernambucano - João Rodrigues Cardoso, o fundador de Águas Belas - não usava armas de qualquer espécie, nem tinha cangaceiros. Mas possuía espírito de iniciativa e capacidade de trabalho, de modo que os seus negócios industriais e comerciais eram prósperos e a sua casa muito bem arranjada.

Tal situação conferia à família legítima projeção social, convertendo o patriarca em "verdadeira autoridade social". O coronel era banco, caixa econômica, cooperativa, sociedade beneficente, hospedaria e santa casa de misericórdia, tudo isso ao mesmo tempo.

Após a morte do coronel, o papel catalisador perante a comunidade passou a ser exercido pela matriarca dona Sinhá Rodrigues, que agregou novos valores ao prestígio do clã sertanejo.

Vista parcial do centro da cidade. Sobrado da família de Tadeu Rocha.
Foto: Zezinho Fotógrafo, 1948

Após o falecimento do marido em 1920 foi ela quem assumiu os negócios. Sua família negociava com tecido, couro e outros artigos. A fama permaneceu a mesma. Não era em vão que a gente do sobrado tinha parentesco com o jurista Sérgio Loreto, Governador de Pernambuco. A casa do “coronel” continuava sendo como ele quis em vida – “o seio de Abraao” – hospedando governadores ou aventureiros, bispos ou vagabundos. A enorme sala de visitas “fim do império”, com cinco portas envidraçadas, no primeiro andar, abria-se para receber o governador Costa Rego e o industrial Lionello Iona (Fábrica da Pedra de Delmiro Gouveia), da mesma forma que antes acolhera os governadores Euclides Malta ou Manuel Borba, o pioneiro Delmiro Gouveia e os arcebispos D. Sebastião Leme e D. Duarte Leopoldo. Mas também os humildes clubes carnavalescos da cidade, com fantasias de “morcego”, subiam as escadas do sobrado e dançavam livremente na ampla sala de visitas, desde a parede onde ainda estava entronizado o quadro do Coração de Jesus até outra de que pendia um belo espelho oval “biseauté”.

Ainda segundo Oscar Silva, em 1932, Tadeu Rocha já havia deixado Santana e estudava direito na Faculdade de Recife. Em 1952, encontraram-se por coincidência em Santana. Tadeu em gozo de férias e Oscar cumprindo missão do seu trabalho. “Abraçamo-nos, conversamos e ele me convidou para um passeio em Poço das Trincheiras onde iria rever parentes e amigos. 

Seguiram viagem numa camioneta dirigida por Abel, outro colega e amigo de infância. Aqui, acolá, um trecho do Ipanema, um pedaço de capoeira e uma serra ao lado ou em frente arrancavam de Tadeu, moço cuja cabeça é um globo terrestre, descrições geográficas em que ele tenta provar que tudo aquilo são elos da cadeia ou sistema Borborema. Eu também ia calado em minha ignorância de cadeias e sistemas, o pensamento voltado para aquele Ipanema, que me parecia mais estreito, achando as distâncias mais curtas e sentido que somente as serras e a caatinga não haviam mudado de fisionomia.

            Apesar da formação refinada, perceptível nas próprias recordações que forjaram sua história de vida, os traços da personalidade de Tadeu Rocha foram marcados pela simplicidade, atitude cordial e espírito solidário. Homem afável, humilde, simpático, catalisava as atenções santanenses, transparecendo suas raízes culturais nas matérias publicadas com frequência no Diário de Pernambuco.

Além de jornalista, atuou como docente de Geografia e História, exercendo funções públicas de advogado no Ministério do Trabalho, Justiça Eleitoral e na rede educacional do Estado de Pernambuco.

              Gerou, criou e educou numerosa prole, fruto de três casamentos, dentro de rígidos preceitos religiosos. Do primeiro casamento com Maria Júlia Bezerra Baltar, tiveram os filhos: Abelardo, José Manuel, Tarcísio, Fernando João e Maria Isabel. Viúvo, casou-se com Maria Margarida de Morais Shuler e tiveram os filhos: Ana, Carolina, Gabriel, Flávio, Mônica, Bruno, Rômulo, Sérgio, Valéria e Estêvão. Viuvou em 1972.

               Fundador da Faculdade de Filosofia do Recife e da Escola de Serviço Social de Pernambuco, formou inúmeras gerações de professores da rede pública estadual, lecionando no Instituto de Educação do Estado.

                Sua obra literária é composta por seis títulos: incluindo dois livros didáticos - Caderno da Geografia do Brasil (1951) e A Geografia Moderna em Pernambuco (1954), um de divulgação cultural - Roteiros do Recife (1959) e três de natureza ensaística - Delmiro Gouveia (1960), Modernismo e Regionalismo (1964) e A primeira escola de Pernambuco (1968).

            Por uma triste e providencial coincidência, numa viagem que fez ao Rio, esteve presente ao enterro de seu sobrinho Breno Accioly, juntamente com Valdemar Cavalcanti, João Condé e Lêdo Ivo, em 1966.

            Segundo seu depoimento, em 1965 não lia mais nenhuma palavra, possuindo apenas um décimo de visão. Ainda assim, com o auxílio da esposa continuou pesquisando e escrevendo.

       Em carta dirigida ao superintendente do "Diário de Pernambuco", Gladstone Vieira Bello, ele explica sua limitação como deficiente visual era resultante de glaucoma crônico e de problemas circulatórios na retina de ambos os olhos.

Em 1973, casou-se com Oralda Medeiros, seu terceiro enlace matrimonial.

Em 1990, em texto divulgado no Jornal de Alagoas, edição de 27.01.1990, Sílvio Melo comentou visitas que fez ao escritor: “O fim de 1979 estava aproximando-se. Entardecia o dia 21 de outubro quando visitei o escritor e jornalista Tadeu Rocha em sua casa no Recife, juntamente com o grupo de conterrâneos que organizava a Semana da Cultura do ano seguinte, parte do "Movimento Candeeiro" que buscou reativar a cultura santanense naquele período. Conversamos bastante sobre cultura, história e Santana do Ipanema. Recebeu-nos surpreso, alegre e comunicativo.”

“Fiz nova visita em 1987 para revê-lo e colher informações sobre a vida do escritor Breno Accioly também conterrâneo e seu sobrinho. Encontrei-o com a saúde bastante abalada, praticamente sem enxergar e a memória falhando. No primeiro encontro fiquei com o livro “Modernismo & Regionalismo” e no segundo, ganhei o livro “Delmiro Gouveia – Pioneiro de Paulo Afonso”, ambos de sua autoria e de fundamental importância para a história e cultura do Nordeste.”

           Permaneceu intelectualmente ativo, até que foi ceifado pela morte aos 78 anos, 01.11.1994, escrevendo, com a assistência da esposa e dos filhos, cartas aos amigos e eventuais artigos de jornal, na tentativa de fortalecer a identidade santanense.

            Valéria Rocha, sua filha, confirmou que parte do acervo fora vendido à Fundação Joaquim Nabuco (Recife), pelo pai e, posteriormente, todo o restante doado.

          Os documentos disponíveis sobre sua vida e obra dos seus intelectuais evidenciam a convergência que entre eles exerceu Tadeu Rocha. Essa evidência pode ser demonstrada através de consulta ao Acervo Tadeu Rocha preservado pelo Centro de Documentação da História Brasileira na Fundação Joaquim Nabuco(Recife). Existe ali um precioso acervo epistolar,  contendo cartas destinadas a vários escritores, entre os anos 50 e 80 do século passado.

          O arquivo que a família doou à Fundação inclui documentos bem preservados e ordenados. O acervo epistolar é composto por originais da correspondência recebida e por cópias, em papel carbono, das cartas que Tadeu enviava aos interlocutores.                

        Define-o José Marques Melo: "ungido como uma espécie de príncipe dos intelectuais santanenses, perfila como o mais citado bibliograficamente ou a referência cultural mais valorizada pelos escritores da nossa comunidade de diferentes gerações.

                Pelo seu trabalho e paixão por sua terra espelhada em livros, a Academia Santanense de Letras, Ciências e Artes o nomeou patrono da cadeira de número 28, ocupada pelo jornalista José Malta Fontes Neto.

                

        Algumas de suas obras:






  









Abril de 2021


Fontes:

Silva, Oscar, Fruta de Palma, 2ª edição, Cascavel PR, 1990;

Marques de Melo, José e Gaia, Rossana (organizadores), Sertão Glocal: Um mar de ideias brota às margens do Ipanema, Edufal, Maceió, 2010

Melo, Sílvio Nascimento, Jornal de Alagoas, 1990; depoimento pessoal.

Comentários

  1. Muito bom, João. Muito bom. Não era só o Oscar que tinha medo de ser "cortado", não...eu também tinha kkkkk

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    1. Meu tio-avô e padrinho, muita saudade desse tio querido , tão presente na minha vida.

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  2. Muito bom João.
    A biografia de Delmiro é uma grande pesquisa


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  3. Excelente essa biografia de Tadeu Rocha pela lente de Oscar Silva, José Marques Melo ,Sílvio Nascimento Melo e coordenada pelo pesquisador incansável João Mendes Neto ( João de Liô).

    Parabéns, Xará!!

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    1. Valeu Xará. Obrigado pela leitura e comentário.

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  4. Ótimo resgate de fatos históricos, João. Incentivou-me a colocar na lista de futuras leituras algumas das obras mencionadas

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    1. Fernando, aproveite a oportunidade e conheça alguns trabalhos desse grande santanense. Valeu!

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  5. Boa noite!
    Parabéns Xará ...
    Belo resgate da biografia desse Santanense ilustre.
    Abraço

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    1. Xará, obrigado. Grande santanense que merece ser conhecido pelos seus conterrâneos.

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  6. Escritores são privilegiados quando trata-se de sua biografia. Sua "via sacra" porém, nunca parece completa. Sempre haverá alguém para acrescentar algo. A cada "estação" , das quedas, dos soerguimentos. Sem falar nos escritos "apócrifos" dos "esejetas"Todos nós amamos o lado humano, de um vulto histórico deste porte, da infância, da juventude, das paixões que teve. Eis um santanense que merece, assim como seus pais também mereceram, ser nome de logradouro, instituição pública, ou ter uma estátua sua em praça pública. Seria o mínimo, como homenagem póstuma a uma personalidade do peso de Tadeu Rocha. É o que penso. ass. Fabio Campos.

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    1. Concordo com a sua opinião ! Está dito. Obrigado pela manifestação.

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