A prática da escrita
Em 2024 fui, presencialmente, convidado pelo professor, escritor e radialista Carlindo de Lira para falar um pouco da minha experiência de escrever no curso de Pedagogia da Universidade Estadual de Alagoas - UNEAL, Campus Santana do Ipanema, na disciplina "Leitura e Produção Textual". Já em 2025, no início do mês de outubro no formato virtual, fui novamente convidado pelo professor para participar do projeto “Pensar a Uneal e Alagoas”, falando sobre o mesmo tema. Evidentemente que o honroso convite me fez refletir sobre os meus processos de escrita.
Numa praça próxima da escola do ensino fundamental tinha uma banca de revistas onde eu costumava visitar e comprar revistas de quadrinhos quando era possível. Eu adorava aquele cheiro forte de tinta das revistas. Fazendo uma retrospectiva fica evidenciado que a leitura sempre fez parte do meu lazer, naturalmente, desde criança. Os gibis eram meus companheiros inseparáveis. Assim a leitura se tornou hábito.
Na adolescência ingressei como menor aprendiz numa instituição financeira onde os serviços são normatizados, exigindo leitura constante dos manuais de serviço e informativos. Então, o exercício da leitura se intensificou em mais horas.
Anos mais tarde, quando me tornei efetivo na mesma empresa, as exigências da leitura e interpretação dos normativos se tornaram mais intensas concomitante à necessidade de escrever relatórios e correspondências em respostas às demandas dos serviços e dos meus superiores. Com o treino, tudo foi se aperfeiçoando. Na vida nós influenciamos e somos influenciados pelos colegas de trabalho e eu tive o privilégio de trabalhar com profissionais que gostavam de literatura e escreviam, sem falar na influência de minha mãe que gostava de ler e comentar os livros lidos.
Com o tempo, a minha curiosidade foi aumentando ao nível de eu ler atentamente até os manuais de equipamentos, eletrodomésticos e bulas de remédio, hábito que se mantém até hoje. Gostar de cinema e música também me fez andar na rota da leitura. Influenciado pelo cinema, escrevi a minha primeira crônica em 1997 para participar de um concurso estadual. Não obtive nenhum destaque, mas superei boa parte dos meus preconceitos e fui adiante.
No concurso perdi a metade dos meus receios que ainda não foram extintos totalmente. A leitura e a escrita são indissociáveis, mas ninguém precisa ser escritor. É opcional. Todos nós precisamos ter a autonomia de escrever com algum conforto e coerência. E seremos obrigados a fazê-lo, em algum momento da vida universitária, da pior forma possível: pela dor e sofrimento psicológico que paralisa o estudante exatamente quando o tempo se torna escasso.
Para falar aos universitários também procurei ler algo atual e me surpreendi ao constatar que, embora a matéria Metodologia Científica faça parte da grade curricular, limita-se, contudo, às regras da ABNT. A produção textual em si é considerada ao passo que vale nota nas disciplinas. Entretanto, os processos que envolvem a escrita dos textos acadêmicos são visivelmente secundarizados, ou seja; com raras exceções, há pouca reflexão e preparação para lidar com o tempo que se deveria destinar à atividade, à habilidade de construir um cronograma de escrita, o volume necessário para ser escrito, tempo e energia para lidar com as edições e se sentir bem (ou não) diante do que se escreve.
Segundo Robson Cruz (2020), professor de psicologia da PUC Minas, em seu livro “Bloqueio da Escrita Acadêmica: Caminhos para escrever com conforto e sentido”, evidencia o desprezo da academia pelo conhecimento tácito. Em termos gerais o conhecimento tácito é um conhecimento prático, não declarado e não verbal. Não é normatizado, ou seja, não requer previamente passar por uma faculdade. São habilidades que permeiam contextos de vida, experiências práticas e interações sociais e/ou culturais.
Exemplifica o professor Cruz (2020): Tocar com desenvoltura um instrumento musical, manejar com destreza um aparelho cirúrgico, realizar com perfeição um passo de dança e, claro, escrever com fluência, são exemplos de atividades com elevado nível de conhecimento tácito.
O livro em si é muito interessante, faz críticas à academia por ignorar o assunto e aponta caminhos alternativos. Inclusive, nos instiga a vencer um dos principais mitos que dormem em berço esplêndido dentro de nós: que somente pessoas especiais podem escrever com fluência ou que as musas inspiradoras têm os seus predestinados, na visão romântica da escrita.
Estamos acostumados a acreditar naquilo que nos dizem como “verdade” e passamos a defender essa “verdade” como sendo nossa. Contudo, quando rompemos essa barreira, descobrimos que não é bem assim, descobrimos algo novo. É quando alguma coisa muda dentro de nós e acontece a quebra de paradigma. E aí o passado é uma roupa que não nos serve mais… como diz a música de Belchior.
Dizem por aí que escrever bem é coisa de gente iluminada, como se houvesse uma nuvem mística pairando sobre a cabeça dos escritores, soprando frases perfeitas direto do além. Escrever é mais suor que aura. É mais treino que talento. E, às vezes, é mais café que inspiração.
A verdade é que ninguém nasce com a pena afiada. O que existe é leitura diária, paciência com os próprios tropeços e coragem de escrever sem crítica prévia até que se transforme em beleza. Porque escrever começa assim mesmo: com uma folha em branco e uma mente cheia de dúvidas. A gente escreve o que vier; sem filtro, sem vergonha, sem medo de parecer tolice. E que seja! Depois, com esforço e mais revisão, tudo vai ganhando vida e se transforma em palavras de um hábil artesão, assim como um ourives lapida uma pedra preciosa.
Escrever é como plantar: primeiro vem a semente meio torta, depois o broto tímido, e só com tempo e cuidado é que floresce o texto que faz sentido. E quando a gente lê o que escreveu e pensa “fui eu que fiz isso?”, aí sim começa a acreditar que escrever não é exclusividade, é prática constante.
Outubro, 2025





Uma crônica, linda!já percebi, meu caro João que você tem avançado grandemente na sua forma de escrever, cada dia mais ousado e suguro.E nós é quem ganhamos cada vez mais . Pode voar!!!!
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