Enquanto eu sorvia alguns goles do delicioso café matinal, olhei à fumaça que se levantava diante dos meus olhos. Era o sinal de que estava no ponto ideal. Sozinho, pus-me a pensar o quanto eu gostava das manhãs. Ter a consciência de que estou vivo, despertar com saúde e saber das inúmeras possibilidades até o final do dia, proporcionaram-me a paz interior que me fazia sentir realizado. Olhando para o alto, rendi graças ao Criador.
Para complementar o meu deleite, pedi o meu habitual pastel de carne. A iguaria de origem asiática era paixão que não se desgrudava de mim de jeito nenhum. A primeira vez que o comi foi no bar de seu Zé Soares na rua Tertuliano Nepomuceno, no centro da cidade. Eu sabia que quem os produzia era a dona Zefinha, sua esposa, cozinheira prendada do mais alto gabarito. Conquistava a todos pelo esmero com que preparava os deliciosos alimentos, bolos e salgados.
Enquanto degustava o pastel, deixei a minha mente vaguear pelos labirintos do tempo. Lembrei-me do cheiro que invadia o bar de seu Zé Soares, quando eu e meus amigos, ainda de calças curtas e joelhos ralados, corríamos até lá com algumas moedas suadas na palma da mão para comprar pastel. Era uma festa! O vai e vem dos transeuntes e o rádio antigo tocando Luiz Gonzaga criavam uma atmosfera que, mesmo hoje, parece intacta dentro de mim.
Relembro do prazer de comer o acepipe nos eventos familiares, preparados por minha cunhada Célia que se destacava pela sua habilidade gourmet. Seus quitutes, incluindo os viciantes pastéis de carne eram disputados pelos comensais.
Depois a gente cresce e toma outros rumos pelas exigências da vida adulta e do trabalho. Por onde andei, após as missas dominicais, busquei padarias que ofereciam pastéis nos seus cardápios. Atualmente são encontrados em vários formatos e sabores, mas a essência se mantém. O ritual se repete, incluindo os descendentes: para o rebento, carnívoro, vai um de carne; para a primogênita vegetariana vai um de queijo, pois os tempos mudaram. Assim, a gente vai perpetuando memórias e sabores.
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Anoitecer na Serra Camonga. Foto Ederlan |
Talvez os verdadeiros sabores de pastéis não estejam nos recheios ou na massa crocante, mas naquilo que ele representa: a permanência de algo bom em meio às mudanças inevitáveis da vida. Em tempos em que tudo parece correr e nos escapar das mãos, manter um ritual simples como esse é quase um ato de resistência; uma forma de lembrar quem somos, de onde viemos e o que ainda nos comove.
E assim, entre goles de café e sabores nostálgicos, sigo cultivando esses pequenos instantes que, somados, desenham um pouco do que sou. Porque no fim, não são os grandes feitos que nos definem, mas os gestos cotidianos que escolhemos repetir. E se há algo que aprendi com os domingos e seus pastéis, é que a felicidade mora mesmo nas coisas que parecem simples, mas que, quando vividas com afeto, tornam-se eternas.
Hoje, sentado à mesa de sempre, percebo que o tempo não me roubou essas lembranças; ao contrário, ele as lapidou. Cada manhã que começa com café e pastel é uma celebração silenciosa da vida que construí, dos afetos que cultivei e das histórias que carrego comigo. A senescência que já me mostra seus sinais da cabeça aos pés, não é um fardo, mas uma lente que me permite enxergar mais longe e com mais nitidez os meus passos no caminho.
Não é mera invenção que a natureza também celebra, movimenta-se e se revela em tons pastéis no descortinar da aurora, na delicadeza do pôr do sol, no crepitar do fogo e nas paisagens áridas do sertão. Cabe nela todos os meus devaneios e tudo o mais que a gente quiser. Não é à toa que até o astro rei tem tom pastel.
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Pôr do sol na Serra da Camonga. Foto Ederlan |
Setembro, 2025
Que lembrança linda tio João, do meus avós maternos. ♥️♥️♥️♥️
ResponderExcluirBoas lembranças, João Neto. Parabéns 👏👏👏
ResponderExcluirEspetacular essa crônica obrigado por lembrar seu Zé Soares e Dona Zefinha e seus pastéis inesquecíveis e va fazer outro chorar kkkk
ResponderExcluirViajei na crônica, João, e pude relembrar também muitas pequenas coisas minhas que se tornaram hábitos, até quando foi possível, como quando visitava minha mãe todos os sábados à tarde, em Marechal Deodoro, levando-lhe uns pães amanteigados que ela adorava.
ResponderExcluirIncrível como a soma das coisas "simples" nos constrói e dá-nos a certeza que valeu à pena termos vivenciado do tudo aquilo.
A crônica é uma poesia pura, pincelada de lembranças que o tempo eternizou. Show!!!
Já fiz o ditado; " O hábito faz o monge"..E este , está muito vivo nessa na crônica de João de Liô!!
ResponderExcluirO fechamento da crônica com tons pastéis dados de natureza foi algo espetacular.
Parabéns, Xará!!
Diz o ditado..corrigindo
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