Página dos Municípios por Miguel Bulhões





Uma das razões que me levou ao Arquivo Público de Alagoas foi a busca pelos textos escritos pelo maestro Miguel Bulhões (1903–1995) para o Jornal de Alagoas na década de 1950. Como não era viável solicitar muitos fascículos — o excesso de documentos poderia inviabilizar a pesquisa — optei por seguir uma estratégia exploratória baseada em critérios subjetivos. Inicialmente, decidi solicitar apenas as coletâneas referentes aos meses de julho de 1952, 1953 e 1954.

Cada volume continha três meses, de julho a setembro. Após examinar o primeiro conjunto, nada foi encontrado. O segundo, estava com o acesso restrito por deterioração. No último, de 1954, encontrei o que procurava. Em seguida, as publicações foram fotografadas para exame e organização posterior.

A minha geração conheceu muito bem a pessoa do maestro e suas habilidades musicais como professor, saxofonista e maestro da banda fanfarra do Colégio Cenecista Santana, que depois recebeu seu nome: Banda Fanfarra Maestro Miguel Bulhões. Entretanto, como correspondente do Jornal de Alagoas havia apenas o registro da sua atuação no periódico.

Em julho de 1954 foi a estreia do maestro como correspondente do Jornal para a página dos municípios. Periodicamente irei reproduzir todas as crônicas relativas a um mês, numa única publicação, para facilitar o trabalho. A minha única alteração foi atualizar os vocábulos para a regra ortográfica vigente, mantendo o estilo original.

Em 1954, exercia o primeiro mandato, o prefeito Adeildo Nepomuceno Marques(1918-1978).


Boa leitura!

E um grande estrondo ouviu-se ao longe!


Felizmente é bom que assim continue acontecendo através dos séculos. Se, para que continuemos tendo presente em nossas conjecturas a grande existência de Deus sobre todas as coisas.

Anda se nos assistem os fenômenos celestes.

Vêm-me neste momento estas ligeiras considerações a propósito de um fato que causou impressão e admiração a todos que o presenciaram.

Deve ter sido a aparição de um meteoro, de um aerolito ou qualquer acontecimento semelhante, se é que não estou me apresentando ignorante com este meu julgamento. O caso ocorreu mais ou menos entre a véspera e o dia de São Pedro. Já passava da meia noite e os retardatários dos festejos daquele dia presenciaram um imenso clarão lá para as bandas do ocidente. E, assim sendo, depois de alguns minutos ouviram vindo de bem longe um grande estrondo. Recebi de alguns de que nos sítios onde ainda continuavam a brincar se apagaram até candeeiros com o estremeço do ar por motivo do grande choque. Quero entretanto crer que nisso vai uma boa porção de exagero.

Afora isso, a verdade é que o fato existiu mesmo. Em cima da Serra do Gravatá, do nosso município, lugar bem diferente em que ouvimos as primeiras notícias do ocorrido, um agricultor em companhia de muitos outros, quando se dirigia de um sítio para outro naquela alta hora da noite, viu assustado grande escuridão com que se envolviam transformada bruscamente numa grande claridade "que iluminou toda a terra em que pisavam deixando bem visível toda a lavoura que ali estava plantada". Continuou caminhando e com mais algumas dezenas de metros chegou-lhe grande estrondo.

“Estrondo vindo de bem longe!”

Miguel Bulhões, 04 Julho de 1954


Os Festejos Juninos


Estes últimos dias do mês junho como de costume estão sendo consagrados em principal destaque aos grandes apóstolos lá de cima - São João e São Pedro - numa natural e estrepitosa comemoração. Redijo estas notas exatamente nos dias que medeiam as duas grandes datas em que as manifestações se verificam as mais populares possíveis, ao mesmo passo que estou vendo que no momento presente São João já está ficando velho no conceito dos festeiros e as preferências vão se inclinando agora para São Pedro, naturalmente de maiores tradições.

Assim é que assistimos desde muitos dias antes preparativos de toda espécie e modo revestidos de providências várias que se destinavam às coisas que viessem a girar em torno do primeiro. E na véspera do seu tão ansioso dia verificamos as mais diversas maneiras de expansão coletiva. Eram as nossas imensas filas de fogueiras invariavelmente em todas as ruas da cidade dando ainda uma grande amostra da sistemática prodigalidade que continuamos a praticar, apesar de tudo. E também em grande multiplicidade os fogos de formas as mais variadas que se ostentavam simultaneamente em todos os quadrantes das ruas. E já se considera que São João já passou realmente e cuida-se de novos festejos para o dia de São Pedro. Vamos ter as tradicionais novenas de São Pedro, na rua e capela do mesmo nome. Vamos também ter a sua missa em consumação de toda a festa que o novenário constituirá.

E assim por diante. E até para o ano se Deus e também os mesmos santos de agora permitirem.

Miguel Bulhões, 11 de Julho de 1954


O Relatório do Médico


Já faz muitos dias que tenho em meu poder com bom acolhimento o trabalho apresentado na primeira Reunião Anual da Sociedade de Medicina de Alagoas, em 1953, denominado “Alimentação, Seca e Deficiências Alimentares no Sertão de Alagoas”. Numa boa autoria do Dr. Eraldo Batista, a quem neste momento me confesso muito grato pela oferta que me fez de um exemplar do folheto.

Gostei sumamente da sua leitura. Além do mais, por ter encontrado nela muito fundamento nas opiniões expendidas. Logo de início diz o autor que a “estrutura socioeconômica tem agido desfavoravelmente no sentido do aproveitamento racional das possibilidades geográficas de nossa área”. Efetivamente é assim mesmo. É uma pura verdade. Conforme tenho dito muitas vezes, fosse outra a nossa compreensão, soubéssemos enfim encarar de modo objetivo a nossa própria economia, e decerto que seria outra a nossa situação.

Em seguida vai a brochura enumerando que a nossa região, principalmente a sanfranciscana, tem possibilidades de apresentar variedade de produtos o que não se verifica absolutamente.

Encontro, em tais considerações, o reforço necessário para os meus pontos de vista, segundo os quais sustento com toda veemência que a nossa zona não é, como pensam, desprezível. E assim o Dr. Everaldo vai com muita sensatez desenrolando o seu comentário e fere desta vez uma tecla que se relaciona com a coisa pública. Diz que as cooperativas Agrícolas, com exceção de duas ou três, "todas foram à falência". Sim! Por má fé e também por falta de espírito público, que vem a ser justamente a mesma coisa, houve realmente descalabro.

Alguém já observou que houve exclusão no trabalho a que me refiro na faixa de Jacaré dos Homens, quando se falou da concentração dos rebanhos leiteiros. Explicar-se-á, entretanto, que o pequeno equívoco não causará no fim de contas grande lacuna. Apesar de Jacaré ficar situado em posição administrativa independente do município de Batalha, a zona no entanto pode ser considerada rigorosamente a mesma. A distância que os separa é muito curta. Repito que é muito pequeno o esquecimento do autor do trabalho em questão.

E o inquérito vai continuando e o que vamos saboreando da sua leitura vai revelando muita coisa bem razoável. As condições de vida na zona da caatinga se mostram da maneira que foram pintadas com grande exatidão. Em regra quase geral, a alimentação é aquela mesma que o folheto apresentou. Salvo nas populações urbanas, onde se nota grande modificação. É claro que não estou penetrando assim com tanta convicção na parte científica de um trabalho assim bem estudado como seja o Dr. Eraldo. Estou, como se vê, aplaudindo o que também verifico em geral nesta nossa zona sertaneja. E acho que outro não poderia ser o meu conceito que ora se vê na "Página dos Municípios", a página dos nossos pensamentos.

Miguel Bulhões, 18 de julho de 1954



Os Festejos da Padroeira




Estamos no segundo dia segunda quinzena deste mês de Julho, ao escrever-se esta pequena correspondência. Hoje estamos assistindo o primeiro dos festejos que constituirão todo o novenário programado para os dias que se seguirão.

Leiamos, pois, esta transcrição que faço aqui, de vez que nela se encontrará todo o esclarecimento do que irá acontecer durante estes dez dias consagrados a nossa Senhora Santana.

Ei-la, na íntegra:

"A paróquia de Santana do Ipanema, numa expressão de amor e veneração, dedica à sua Excelsa Padroeira Senhora Santana, os festejos de piedade e culto de Veneração, durante o seu novenário.

- Honrando a tradição, a festa de Senhora Santana será patrocinada pelos noiteiros, obedecendo ao programa elaborado.

- O novenário será realizado na de 17 a 25 do corrente, iniciando-se com o hasteamento da Bandeira de Senhora Santana torre da Matriz ao som de marcha sacra e salva de 21 tiros.

- A bênção dos altares de Nossa Senhora de Fátima e do Santo Cristo será efetuada na data de 25.

Dia 26 consagrado a Senhora Santana e de alegria para os seus devotos, serão finalizadas as festividades com a Santa Missa Solene, sermão, procissão triunfal da veneranda imagem de Senhora Santana e bênção do Santíssimo Sacramento.

- Que cada paroquiano compreenda o dever de auxiliar com todo carinho a festa de sua Excelsa Padroeira.


Viva Senhora Santana!

Viva a Igreja Católica!

Pe. Luiz Cirilo Silva.

Pe. Jeferson Carvalho.


Para saber mais clique aqui

Miguel Bulhões, 25 de julho de 1954

Agosto, 2025

Comentários

  1. Bartolomeu RODRIGUES OLIVEIRA12/08/2025, 07:39

    Quantas lembranças da nossa terrinha... parabéns, João.

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  2. Por muito tempo seu Miguel Bulhões dividiu a leitura dos Jornais de Alagoas com O Ferrageiro. Todos os dias tínhamos como obrigação encaminhar os Jornais para seu Miguel. Papai quando viajava, perguntava de onde estava: Já levaram os jornais para seu Miguel?? E aí se não tivéssemos levado.

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  3. Que pesquisa profunda, João de Liô!!
    Desconhecia esse lado jornalístico do Maestro Miguel Bulhões...A professora Salete Bulhões herdou essa paixão pela língua portuguesa..
    Uma bela pesquisa!! PARABÉNS!

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  4. A Banda do Maestro Miguel Bulhões coloriu nossa formatura do Curso Pedagógico no Colégio Estadual. Saímos da Praça do Monumento até à Matriz de Senhora Santana! Os componentes da Banda assistiram á missa e com a banda tocando, voltamos ao Monumento! INESQUECÍVEL! Lúcia Nobre

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